quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Dodge Dart 1977, Branco Valencia

                               No início da década de oitenta eu era tremendamente fascinado por quilometros de arranca e pegas de rua. Certa vez, em um domingo à noite, eu e meu amigo Ganso estávamos no centro de Taquara entediados, sem opções nenhuma de alguma coisa nova. Alguns minutos depois, apareceram dois conhecidos e pararam para conversar. Não vou citar o nome deles aqui, por razões óbvias. Vocês entenderão no decorrer da narrativa.
                               Conversa vai, conversa vem, os dois nos contaram à respeito de um local na cidade de Novo Hamburgo, onde, regularmente, estariam acontecendo pegas nas madrugadas de domingo para segunda feira. Disseram que era uma estrada abandonada em um local bem retirado da cidade. Nós dois, sedentos por alguma coisa diferente para fazer, acabamos aceitando o convite deles para ir até lá assistir os pegas. Entramos todos no fuca de um deles e seguimos direto para o tal lugar. A animação dentro do carro era total, era visível nossa ansiedade para  chegar e assistir os pegas.
                               Uma hora depois, perto das 23:30hr. chegamos! Ate então, eu nunca havia estado naquele lugar, era muito ermo, sem iluminação alguma. A noite estava muito estrelada e quente. Na chegada já me espantei com a quantidade de carros e pessoas que estavam no local. Tinha uma fila enorme de carros alinhados, em par, esperando a sua vez de largar. A estrada já estava lotada, tinham muitos carros fazendo pegas. Por aproximadamente um quilometro, os dois lados do acostamento estavam lotados de gente berrando e acenando quando os carros, geralmente alinhados, passavam.
                               Logo procuramos um lugar para estacionar e se misturar a multidão. Feito isto, descemos e nos atiramos no meio daquele aglomerado de gente. Eu e o Ganso começamos a caminhar e nos distanciamos dos outros dois, acabamos parando mais ou menos no meio da grande reta, onde os carros passavam "fedendo". Tinham diversas marcas e modelos de carros, entre eles, Dodges, Opalas, Mavericks, Chevettes, Passats e mais uma infinidade de outros!
                               Lembro que eu e o Ganso gritavamos quando passava cada dupla de carros! Gozavamos dos Chevettes, Fucas e Passats e todos que não fossem Dodge ou Maverick. A noite estava agradável e nós estávamos eufóricos com tudo aquilo. Cada dupla que largava, nós ficavamos acompanhando fixamente. De repente, olhamos no ponto de largada, dois Fucas alinhados!! Imediatamente nos olhamos e falamos praticamente juntos:"-Não pode ser!! Mas era!! Nosso amigo, dono do fuca, entrou na briga. Começamos a dar gargalhadas, gargalhadas compulsivas!!
                               Atentamente acompanhamos o pega do nosso amigo, rindo, berrando:"-Vai,vai,!! Não adiantou, levou pau!! Mas tudo bem, a nossa diversão não tinha precedentes. Alguns minutos depois, passou nosso amigo de volta, buzinando e gritando dentro do fuca, como se tivesse ganho um troféu!!
                               Bom, lá pela 1hr da manhã, tudo ia muito bem, estávamos nos divertindo muito, mas disse aos outros que eu tinha de ir embora, pois trabalhava com meu pai naquela época, e cedo da manhã, teria que sair de viagem! Embarcamos no fuca e quando nos preparávamos para sair daquele fervo de carros e gente, começou uma debandada geral. Era gente correndo para dentro do mato, carro patinando, se batendo, um inferno! Nós sem entendermos nada, paramos. Desci do carro e olhei lá para o início da estrada, fiquei petrificado!! Tinham umas trinta viaturas da polícia, tinham acabado de fechar a estrada!! Entrei no fuca, contei aos amigos e disse: "-Vamos em frente, vamos ver onde esta estrada vai dar e vamos embora. Um cara que estava com um carro ao nosso lado ouviu e nos disse que a estrada era sem saída!!  Ninguém mais poderia sair daquele local, pelo menos sem passar pela polícia!!
                                Fiquei puto da cara, quanto tempo iriamos ficar ali até a polícia resolver nos liberar! Sem saída, ficamos dentro do carro conversando. Os minutos foram passando e comecei a me acalmar, já conformado com a situação. O negócio era esperar. Afinal, nós não tínhamos nada do que temer. O máximo seria explicar o que estávamos fazendo ali, mostrar os documentos e ir embora.
                                O tempo passando, eu e o Ganso conversando normalmente, só esperando. Os outros dois calados, estáticos!! Alguns minutos depois, olhei para a frente, vinha vindo um policial. Este, parava ao lado de cada carro estacionado, falava brevemente com todos os ocupantes e ia ao próximo carro. Vindo em nossa direção, faltando apenas alguns carros, eu perguntei ao motorista do fuca:"-Estamos legais, né?? Tá tudo certo?? Carteira de motorista e documentos do carro??" Ele mudo!! Dei um berro dentro do carro:"-Qual o problema???????
                                Neste instante, o policial chegou em nosso carro, baixou a cabeça e nos disse, com um tom de voz alto e nada amigável:"-Seus malandros!!! Desçam todos do carro, com seus documentos de identidade!! O condutor com a habilitação e o CRLV". Virou as costas e foi para o próximo carro que estava logo atrás do nosso!
                                Momento tenso!! Inesperadamente comecei a suar frio, tremendo de raiva e medo, indaguei novamente meu parceiro:"-Cara, pela última vez, qual o problema?? Eu vou te matar se tu não falar!!!" Ele olhou pra mim com "cara de cachorro que caiu da mudança" e disse: "-Tô sem carteira!!! Ela tá presa na delegacia de Taquara!!" Eu disse:"-Seu irresponsável!!! Mas tudo bem, eu tenho a minha aqui comigo e digo que sou eu que estou na boleia!! Tudo certo!
                                Alguns segundos depois, em completo silêncio dentro do carro, como em doses homeopáticas, meu parceiro soltou o segundo problema:"-O fuca tá com os documentos vencidos"! Quase infartei dando um novo berro!!!! "-Mas o que é isto???? Tu tá de brincadeira?? Como pode tu ter nos colocado nesta fogueira???  Seu chinelão!!" E baixei o verbo!
                                Ele e o outro amigo não trabalhavam, apenas eu e o Ganso tínhamos que acordar cedo. Eu as  6hr!! Minha vontade era de sair correndo mato à dentro, abandonando todo mundo, só não o fiz , pelo meu amigo Ganso, ele não merecia isto! Sempre foi muito parceiro. Então resolvi ficar e ver no que ia dar!
                                Minutos depois, começamos a ver os policiais chegarem em massa, de bando!! Vinham em sequência, abordando e passando a revista em todos que estavam a nossa frente, um por um! Quando faltavam apenas uns dois carros para chegar nossa vez, o outro elemento que estava junto no fuca abriu o bico e deu a terceira cacetada, a derradeira! "- Tô com erva aqui dentro! (Eu tô me mijando de rir agora!) Só o que se escutou foi mais um grito meu:-"HHHHHhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!! Eu vou matar vocês dois!!!! Me dá esta merda!!!!!!" Peguei aquilo e, sorrateiramente, atirei longe, no escuro, no meio do mato. Graças ao bom Deus, ninguém percebeu!
                                Naquela época, eu era bem jovem, não tinha vício algum. Tinha pavor de cigarro, nunca tinha tomado sequer uma cerveja!! Que dirá drogas!! Eu e o Ganso eramos uns guris inocentes, sem maldade alguma. Por muito pouco, tinha me enrascado por andar em péssima companhia. Mas o destino quis que assim não o fosse!
                                Bueno, chegada a nossa vez da abordagem, eu disse ao parceiro do fuca:"-Não posso fazer nada com minha carteira, então, tudo contigo! Assume tua irresponsabilidade! Neste momento chegaram os brigadianos em nosso carro e começamos a explicaar a nossa situação ao brigadiano, este nos falou com tom de voz rude: "-Vão pra lá, entrem na traseira daquele camburão!! Vai todo mundo para a delegacia!!" Quase infartei de novo. Eu, um guri que só queria me divertir, entrei numa fria".  Começamos a caminhar na direção de uma Veraneio "vascaína", tal qual os bois entram na fila do matadouro!!" Eu estava inconsolável, parecia o fim do mundo. Quando estava para por o pé no estribo da cachorreira da Veraneio, um dos brigadianos perguntou gritando:"-Quem tem carteira de motorista?? " Imediatamente eu levantei o braço. Ele chegou perto, me pediu a carteira e disse:"-Não tem guincho que chega pra levar tantos carros aprendidos, tu entra naquele Opala e vai dirigindo. Segue a viatura que está na tua frente e não tenta fugir!!"
                                 A sensação que senti foi de ter ganho na mega-sena sozinho, não precisaria ir dentro do camburão!! Bom, chegando na delegacia, tinha uma fila de espera enorme. Não sei quantas pessoas, centenas!! Eram aproximadamente 4hr da manhã quando chegou nossa vez de dar explicações, um policial verificou nossos documentos (meu e do ganso), perguntou se nós trabalhávamos e depois nos disse que estávamos liberados. Aliviei naquela hora. Só tinha que chegar em casa antes das 6hr. Perguntei ao policial por algum ônibus que saísse naquele horário para Taquara, este informou que só na rodoviária, as 6hr.
                                  Comecei então a ficar nervoso novamente, não tinha coragem para ligar para casa e contar para meu pai o que estava havendo. Foi então que tive uma ideia. Entrei na delegacia e falei novamente com o inspetor. Pedi a ele para falar com o delegado. Este me mandou aguardar, mas logo em seguida, me passou para uma sala ao lado. Ao entrar na sala quase caí duro. Atrás de uma escrivaninha, estava sentado um senhor enorme, não gordo, forte!! Um Negro, com "N" maiúsculo, dono de uma das caras mais feias que já vi na vida. Quando entrei, ele ficou olhando fixamente para mim!
                                  Fiquei em pé na sua frente e lhe contei, humildemente, minha angústia. Entre várias coisas, disse a ele que precisava estar em casa as 6hr, por temer perder meu emprego.
                                 Naquela época, do regime militar, emprego era uma coisa muito séria e honrada. Não como hoje, nesta onda de bolsa tudo do governo, incentivo ao "não" trabalhar. Não ter emprego naquela época, era quase um crime!! O enorme homem se sensibilizou com minha história, no fundo, acho que viu em mim uma pessoas boa e confiou em mim. Liberou o fuca, mesmo sem documentos, para voltarmos para casa. Fez meu parceiro, dono do fuca, assinar um papel, se comprometendo a se apresentar naquela delegacia, na manhã da terça feira próxima, com o fuca e seus documentos.
                                  Cheguei em casa passava das 6hr. Meu pai já estava acordado, tomando seu café. Me olhou fundo nos olhos,  não disse uma única palavra. Então, disse a ele que tinha passado uma noite terrível, mas estava tudo bem, não tinha feito nada de errado, nada que pudesse envergonhar seu nome. Alguns minutos depois estávamos na estrada, viajando para bem de atender seus clientes.
                                 Este Dart que conto na história de hoje, era de um cliente meu. Quando foi comprado, ou seja, apereceu em Taquara, já era bem acabado. Muito podre e muita massa plástica!!
                                 O  seu dono, praticamente sem recursos, adaptava o que podia de outros carros. A suspensão tinha buchas de corcel, amortecedores de F1000, bieletas de Opala e assim por diante!! Era uma verdadeira cobra dágua!
                                  Este sujeito andou com o carro até terminar, quando certo dia quebrou a logarina dianteira e o carro parou. Fui até a casa dele e fachamos negócio, por míseros metais!!
                                  Busquei o carro com um guincho e o dart foi direto para o machado, sendo totalmente desmanchado em pouco tempo!

Nesta foto ele aparece junto ao LeBaron 80 e ao fundo um Landau Limosine (virado contra a parede) que conto a história mais pra frente

Nesta foto está em uma oficia anterior a da outra foto. Junto com o Dart (Charger preto/cinza)
                               Na proxima postagem , Dodge Dart 1975, Prata Lunar

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Dodge Magnum 1979 Azul Cadet

                                     Já falei aqui neste espaço, por inumeras e repetidas vezes, a respeito do enorme apreço que tenho pelos antigos ferros-velhos! Quando falo "antigos", estou querendo dizer sobre aqueles estabelecimentos que praticamente não existem mais nos dias hoje, que por certo, ou quase, os meus amigos mais novos não conheceram. Eram locais nostálgicos, onde se podia entrar e caminhar livremente por entre os carros. Locais estes, em que exibiam automóveis de todas as épocas e idades, marcas e modelos!! Desde um Ford 1940 até um dodge ou galaxie com um ou dois anos de uso! Onde cada carro tinha uma história de vida, curta ou longa, mas que paralelamente, se misturava a história de seu dono!
                                    Conforme o homem foi "evoluindo"e usando a maldita palavra "tempo é dinheiro", os nostálgicos ferros-velhos de antigamente foram morrendo, também! Hoje em dia, quando um carro vai para o desmanche, não fica lá mais do que um ou dois anos, neste tempo, o que não é logo vendido, vai  para a siderúrgica. Antigamente, e não tão antigamente assim, os carros iam chegando no desmanche, e lentamente, iam se amontoando. Os mais antigos eram arrastados para o fundo do terreno para dar lugar aos novos, e assim sucessivamente. Então, quando se ia a um local daqueles, se encontrava de tudo. Os carros literalmente se acabavam em meio ao mato e árvores.
                                   Lembro de alguns amigos que fiz, donos de antigos ferros-velhos. Quando ia até eles, os caras tiravam tempo para sentar e conversar por horas à sombra de uma árvore. Dava para prosear e apreciar ao mesmo tempo. Hoje não, os caras te atendem correndo em um balcão fechado, impossibilitando a passagem da gente para que possamos caminhar entre os carros e procurarmos nós mesmos as peças que nos serão úteis! E quando não tem o que tu precisas, te mandam embora e pedem para tu passar no próximo dia, eles vão dar um jeito de arranjar o que tu quer durante à noite!!!??? E a gente logo tem que ir embora porque precisam atender outros clientes, é uma loucura o mundo de hoje, Deus me livre!!
                                    Claro que este é um gosto particular meu, e por certo, de algumas pessoas afins. Falo isto porque tem gente que não vê nada além de lixo em um desmanche. Sempre comento com minha mulher, em Shopping eu me nego a entrar, só amarrado!!! Por certo, outras pessoas nem amarradas entrariam em um ferro-velho!! Uma ou duas vezes por ano, eu e minha mulher viajamos à cidade de Restinga Seca, na região central do estado. Ela tem uma tia e primos que moram lá. Em uma viagem  que normalmente se faz em 4hr, nós levamos entre 6 e 7hr. Tudo isto por conta das minhas paradas em alguns desmanches que ainda acho por aquelas bandas. Ao chegarmos em Restinga, as primas Rosaura e Silvana, sabedoras da minha tara por ferro-velho, sempre me perguntam: "-Como foram as compras???"  No fim acabamos dando boas risadas.
                                    Bom..., por  diversas vezes também, falei sobre o ferro-velho do Turco, na cidade de Três Coroas. Mas hoje, quero lhes contar sobre o ferro-velho que me instigou pela primeira vez, portanto, o primeiro em que coloquei os pés! Este, ficava aqui na minha cidade, Taquara! Era também, assim como o do sr Turco, um enorme ferro-velho, do qual lembro muito bem, e sua história remete a um tempo perdido do meu passado, de muitas e agradaveis lembranças! Com certeza, ali, senti pela primeira vez o prazer de observar e caminhar entre antigos carros abandonados. Tentar imaginar e desvendar quais foram seus donos, segredos e por quais motivos foram parar ali. Em poucas palavras, vou tentar descrever para vocês como era este ferro-velho e como foi a primeira, dentre as milhares de visitas que fiz aquele lugar!  
                                    Meados da década de setenta, eu ainda uma criança! Na época, deveria ter uns 12 anos, não mais do que isto. Este ferro-velho ficava exatamente no lado oposto da cidade em relação a casa dos meus pais. Depois de muito pensar, certo dia resolvi ir ate lá!  Peguei minha bicicleta Monareta, da Monark, e me larguei, com destino certo e sabido.
                                    Depois de muito pedalar, cheguei ao sonhado lugar! Em meu primeiro contato, ainda na rua, já tive um prévio do que seria aquela manhã! A primeira imagem que tive, e tenho ainda muito viva na memória, foi um enorme, e lindo, caminhão Chevrolet Apache, datado do final da década de cinquenta. Esta maravilha sobre rodas estava abandonada bem em frente ao portão do ferro-velho. E para me surpreender mais ainda, este caminhão tinha um enorme guincho atrás!! Talvez aí uma explicação pelo meu fascínio por guinchos. Era uma imagem triste, e bela! O caminhão Apache era, é, e vai ser lindo, por toda a eternidade!! O guincho que tinha acoplado no lugar da sua carroceria, era enorme!! E forte!! As barras de ferro ponteadas e rebitadas com perfeição e muito bem escalonadas, davam um aspecto de poder ao velho guerreiro Apache, um conjunto harmonioso e perfeito!! A torre era enorme, como não se vê mais nos guinchos de hoje! Acreditem, eu poderia ficar por horas, horas e horas, olhando aquele caminhão!!
                                 Em sua frente outro caminhão, não tão raro e belo, mas com certeza também transportava em sua carroceria uma  história não menos bela e triste! Era outro Chevrolet, boca de sapo, do início da década de 50, verde garrafa. Muito mais inteiro que o primo Apache à sua frente, mas condenado ao mesmo destino!!  Até hoje, quando vejo um velho caminhão, de imediato, imagino ele trabalhando nas antigas estradas deste Rio Grande, nos infindáveis rincões e serras deste estado. E sempre sendo severamente castigado, tansportando um peso sempre além da sua capacidade, gemendo nas subidas de serra!! Não me perguntem o porque, eu não saberia responder!! 
                                    Depois deste primeiro impacto, entrei portão à dentro, olhando para todos os lados, não querendo deixar desacautelado um só pedacinho do lugar. O filme que passa em minha mente agora é indescritível! Vejo, Simcas, Veraneios, C14, F1, Aero Willys, Galaxies, DKWs, Gordines, Opalas, Mavericks e mais uma infinidade de modelos.
                                 Me aprofundo mais e mais, derrepente, dou de cara com o carro na qual sua marca faria parte da minha vida em um futuro próximo! Mal sabia eu, mas o encontro daquele momento faria parte das lembranças mais remotas do resto da minha vida, um Dodge!De imediato, mergulhei em desatino, de corpo e alma, em sua direção.
                                 Muitas idas depois, fui descobrir que se tratava de um Gran Cupe, 73 ou 74, azul, que estava em um canto, jogado ao lado de um enorme galpão. Na época já haviam sido tiradas algumas peças do dodge, se não me engano, já não tinha mais a suspensão dianteira.
                                 Naquele dia, quando tentava entrar para dentro do Gran Cupe, primeiro tive de travar uma luta com uma pequena hóspede que lá se amoitava. Uma galinha poedeira havia feito seu ninho lá dentro, estava chocando um monte de ovos!! Quando eu entrei, ela saiu berrando e cacarejando, esta cena eu não esqueço!! Bom... depois que a coitadinha se acalmou, pude entrar e sentar pela primeira vez ao volante de um dodge! Imediatamente fiquei hipnotizado pelo desenho do painel de instrumentos. Por isto sou apaixonado até hoje pelo painel do 73/74, para mim, o mais bonito de todos.
                                  Depois de alguns instantes sonhando ao volante daquele dodge, saí de dentro dele e continuei minha minuciosa peregrinação pelo local. Que eu lembre, naquele dia deveriam ter entre 10 e 15 dodges amontoados por lá! Entrei dentro de quase todos, apertando em pedais, acelerando e girando a direção, ensaiando passeios inimagináveis para um adulto. Em certo momento, caminhando por trilhas dentre os carros, dei de cara em um motor 318, azul, atirado no chão! Fiquei fascinado com a visão!! Por vários minutos fiquei observando aquela máquina, que à época, eu mal sabia do que era capaz!! Apenas tinha vaga idéia de que aquele motor tinha 8 cilindros, simplesmente o dobro do motor do Opala do meu pai. Apenas este detalhe já me fazia sonhar e imaginar, o quão bom seria se meu pai tivesse um carro com um motor daqueles!! Naquela época, apesar da pouca idade, já estava apresentando surtos mentais!! kkk!!
                                   Alguns instantes depois, continuando minha busca, olhando ainda ávido por descobertas dentro do ferro-velho, esbarro em uma parede humana! Levo um susto ao olhar para cima e ver uma cara feia, que um enorme homem fazia para mim!! Era um homem gordo, alto, pouco mais alto do que eu hoje, devia ter por volta de 1,95m. Tinha um chapéu de palha na cabeça, um dente de ouro e um palheiro no canto da boca. Este, fica parado na minha frente, interrompendo minha busca! Um instante depois me indaga com voz rude, o que eu estaria ziguezagueando por lá!! Antes que eu pudesse responder, ele acrescentou:"-NÃO GOSTO DE CRIANÇAS AQUI!!! NÃO QUERO TE VER MAIS ANDANDO AQUI DENTRO!!! ENTENDEU GURI???SE TE PEGAR DE NOVO ANDANDO AQUI DENTRO, TE DOU UMA SURRA!! AGORA... FORA DAQUI!!!!!!! Relembrando agora estas palavras, comecei a rir, pois também não gosto de crianças no meio das minhas coisas, já fiz coisa parecida!!
                                  Naquele momento, não conseguia nem olhar para o rosto dele, que dirá, argumentar alguma coisa. Baixei a cabeça, fui em direção ao portão, subi em minha Monareta e sumi em direção à minha casa. Este foi meu primeiro contato, de muitos que tive posteriormente, com o grande ferro-velho de Taquara. Justamente com seu proprietário, o sujeito chamado Arsenor Homem!
                                  Nas semanas seguintes, as imagens daquele lugar raramente saiam da minha lembrança. Durante os posteriores dois meses, economizei todo o dinheiro que ganhava do meu pai. Sendo os que me dava para comprar merendas no colégio ou revistinhas em quadrinhos (tinha coleção do Tio Patinhas). Não gastei nem um tostão sequer até juntar uma soma, que para mim, seria suficiênte para comprar algo que tinha visto e me enfeitiçado no ferro- velho.
                                 Juntada a quantia em dinheiro, fui até o ferro-velho, e, morrendo de medo, procurei por aquele Urso disfarçado de homem, e me parei em frente dele. Estático como uma pedra, fiquei esperando que me desse atenção. Algum tempo depois de estar ali parado, ele olhou pra mim e disse,aos berros:"-O QUE TU QUER AQUI GURI??? JÁ TE FALEI QUE NÃO GOSTO DE CRIANÇA!! VAI BRINCAR LONGE DAQUI, TE SOME!!!" Com a voz embargada e morrendo de medo, lhe disse: "-Vim até aqui para fazer uma compra!!" Ele me pergunta:"-O QUE TU QUER??" Eu:"- Queria comprar do senhor aquele motor azul, de dodge, que está atirado lá no pátio!" Ele me olhou com mais raiva ainda e disse:"-O QUE TU QUER COM AQUILO??? AQUELA PORCARIA  NÃO PRESTA, VAI EMBORAAA!!!". Apesar de toda grossura do "ogro", refiz minha propósta:"-Mesmo assim, eu insisto, quero compra-lo, tenho dinheiro aqui comigo."
                                 Ele me pegou pelo braço e me mandou mostrar onde tinha visto o motor. Então levei ele até lá e mostrei o 318. "-É este motor que eu quero!!!", disse a ele apontando com o dedo para o motor! Provavelmente, naquele momento, aquele homem achou que eu não era bem certo da cabeça. Mas mesmo assim,como todo mundo gosta de dinheiro, naquele instante, fechei meu primeiro negócio envolvendo dodge. E de lambuja, ainda comprei um par de grades do RT 73/74. Daquele dia em diante, minha vida mudou para sempre, e... os dodges começaram a fazer parte dela.
                                 Uns 14 anos depois...
                                 Era um final de tarde, eu terminava de istalar uma caixa de câmbio em um Galaxie, quando vejo por baixo do carro em que eu estava, vinha entrando um amigo no patio da oficina. De lá mesmo onde eu estava, gritei para ele puxar um banco e sentar, que logo que eu  terminasse de apertar alguns últimos parafusos, sairia.
                                Alguns minutos depois, terminado o serviço, saí de baixo do carro, me lavei, peguei uma pepsi na geladeira e começamos beber e conversar. Este amigo morava, e ainda mora, no interior de Taquara. Ele era na época vendedor de produtos quimicos,  e portanto , viajava por vários municípios do estado. Quando tinha alguma folga, passava na oficina para conversar e também para me passar algum produto de limpeza, principalmente de motor.
                                Naquele dia, depois de muita conversa, me contou que enquanto atendia um cliente em Porto Alegre, entrou um carroceiro, destes que catam papeis e latas, enfim, sucatas em geral, na oficina em que ele fazia uma venda. Disse que o homem (papeleiro) olhou para o dono da oficina e perguntou:"-Vai ficar com o carro ou não??" Este lhe respondeu que ia pensar,  então o papeleiro deu meia volta e foi embora. O meu amigo, curioso em saber qual carro o carroceiro teria para oferecer ao dono da oficina, lhe perguntou: "-O que o carroceiro quer te vender?? Um carro??" Este respondeu que o tal carroceiro teria um dodge em meio à montanhas de sucata, e a alguns meses estaria tentando vender o carro para ele, o dono oficina!
                                  Meu amigo na hora lembrou de mim! Perguntou ao cliente se este se importaria que ele desse uma olhada no dodge, este lhe respondeu que não, então, ao terminar de atende-lo, foi até o endereço em que o papeleiro tinha seu depósito. Chegando lá, chamou pelo homem que tinha visto puxando a carroça, mas este não estava no lugar. Então , falou com um rapaz que estava lá, e este permitiu que meu amigo olhasse o dodge. Quase caiu duro. O carro estava todo coberto de latas, papel velho, arames, era um lixo só!!
                                  Mas , ao voltar à Taquara, resolveu me contar a história. Perguntei a ele que modelo de dodge era, ele não soube me dizer. Me disse que o carro era azul claro, tinha teto de vinil azul, também claro e em uma parte da lateral tinha uma faixa azul, divida em varias listinhas, contornando o vinco da lateral. Matei a charada, Magnum 79!!
                                  Na hora peguei o endereço do papeleiro e coloquei na minha mesa. Disse que quando fosse a Porto Alegre, passaria para dar uma olhada no Magnum azul.
                                  Uma semana depois tive que ir à Porto Alegre, aproveitei e no final do dia passei no endereço do papeleiro. Tinha um muro alto na frente, da rua não dava para olhar para dentro do depósito. Na entrada um portão de ferro, todo remendado por vários pedaços de lata, mas igualmente fechado. Quase derrubei o portão batendo, e nada!! Pensei, já passava das 18hr, o cara deveria ter ido para casa. Olhei no outro lado da rua, tinha um pequeno bar, daqueles inferninhos mesmo. Fui até lá!! Naquela hora o bar já estava cheio de matungos bebendo e garganteando. Me senti um intruso no ambiente. Fui até o balcão, pedi uma pepsi e perguntei pelo proprietário do sucatão em frente. O dono do bar, demonstrando uma cara nada amigável, apontou para um canto do bar onde tinham três elementos, cada um com uma cara mais mal encarada que o outro, conversando!
                                   Receoso, me aproximei e perguntei pelo dono do local, os três se entreolharam e um deles me encarou fixo e perguntou: "-Porque tu quer saber??" Aí eu senti a maldade!! Por de certo, acharam que eu fosse algum cobrador, ou talvez mandado por algum desafeto dele. Mas , tratei de logo explicar o motivo pelo qual estava ali. Em seguida, o mais retraido deles, não o que tinha me feito a pergunta, o outro ao seu lado, se apresentou como dono do local.
                                  Depois desta apresentação nada amigável, perguntei à ele se poderia olhar o dodge, este disse que sim, virou as costas aos dois amigos e saimos do bar. Atravessamos a rua, abriu o portão e entramos. Caminhamos uns 70 metros, no meio de muito lixo e sujeira, até que no final do terreno, soterrado por muita porcaria, avistei por entre entulhos, pedacinhos de lata azul!! Me aproximei e me tapei de nojo!!! A imundície era enorme, nunca tinha visto nada igual!!
                                   Quando consegui olhar para dentro do carro me apavorei, este estava cheio de lixo dentro. Em cima do assento do banco do motorista, tinha um vaso sanitário, podre!! Os bancos, riscados azuis, pareciam ser muito inteiros antes do carro chegar ali!! Muito estranho!! Mas... O vinil também parecia ser de um carro em pleno vigor antes do carro ser "amoitado" naquele local. Os pneus eram ruins, talvez foram trocados ali naquele local, não tinha mais calotas. As lanternas traseiras, depois de limpas, ficaram novas, mas no geral, a lataria já apresentava vários pontos de ferrugem.  Amassados pipocavam em diversos pontos, provavelmente pelas coisas que foram jogas por cima dele durante o tempo em que estava ali! No interior, quase que intacto, tinha até o motoradio toca-fitas original Chrysler.
                                   Lhe perguntei como tinha comprado o carro, e o porque dele estar abandonado daquela maneira, este, me respondeu com uma outra pergunta:"-Tu quer comprar o carro ou não??" Aí perguntei pelos documentos do carro e quanto ele estaria pedindo por ele!! Prontamente me respondeu que o carro não tinha documentos, que ele tinha comprado o carro assim e que queria por ele $1200,00. Não sei se cruzeiros ou cruzados ou que diabo de nome tinha nosso dinheiro ( Que paisinho imoral este nosso, hein??) Mas era esta a quantia, pois tenho anotado aqui em um caderno.
                                   Disse à ele:" Te dou $800 agora, em dinheiro!!! É pegar ou largar!! Aceita??" Ele olhou para mim e disse:"-Fechado!" Perguntei à ele por um telefone, me disse que tinha um orelhão uns trinta metros, na calçada. Fui até lá, liguei para um conhecido meu que tinha guincho em Taquara, que por sinal, era filho do senhor Arsenor Homem, do qual narrei a pequena história no inicio da postagem. Seu nome é Deroci Homem, no telefone falei: "-Deroci? É o Cuti! Vem à Porto Alegre buscar um carro pra mim, tal endereço, vou ficar te esperando aqui!!
                                   Enquanto esperava o guincho, comecei a tirar todo o lixo acumulado por dentro e por fora do dodge. Já estava anoitecendo quando comecei. Mas uma hora depois, o dodge já estava livre de tudo que não lhe pertencia, até uma passagem eu consegui fazer para que o caminhão guincho pudesse chegar mais perto dele, para facilitar a vida do guincheiro e principalmente para que o carro não sofresse maiores danos até sua retirada daquele pátio nojento!
                                  Quatro horas depois, faltando poucos minutos para a meia noite, encosta o Deroci a bordo do F-350 em frente ao depósito!! De imediato, o Deroci olhou pra mim e disse:"- Se não fosse por um pedido teu, com certeza não viria a esta hora da noite neste local. Vamos ser rápidos e cair de volta na estrada!!" Então,  logo mandei que entrasse e direcionei o F350 ao caminho que tinha aberto para chegar em frente ao Magnum, atrelamos o dodge atrás do guincho e estávamos prontos para sair. Neste momento, o papeleiro fechou a porta de entrada do pátio!! Confesso para vocês que na hora me deu um frio na barriga!! Achei que seriamos assaltados!. Mas não, ele veio até meu lado e pediu os $800,00. Ficou com medo que saíssemos sem pagar! Tirei o dinheiro da carteira e saímos daquele local voando, direto para Taquara!
                                   Sabe do que não me perdoo daquela época?? Não andar sempre com uma máquina fotográfica em baixo do braço, assim como faço hoje!!
                                   Cheguei em casa por volta das 2:30hr, descarregamos o dodge e fui dormir. No outro dia é que realmente fui olhar o que tinha comprado. Até o macaco original estava no lugar , aparentemente, nunca tinha sido usado. O pneu do estepe ainda original. Com certeza um carro com uma história nebulosa. Mas, na época muitos carros abandonados não tinham documentos, não se pode afirmar que o carro era ilícito. Na época pensei, assim como penso hoje, se eu não o comprasse outro iria fazer o mesmo, E no final, acho que eu dei um fim melhor à ele do que qualquer outro!
Linda esta direção! Já esta no porão da minha casa, aguardando o novo escritório!

A direção e o painel foram umas das poucas peças que me sobraram do Magnum 

Este painel vou começar  restaurar em alguns dias, vai para o meu escritório novo aqui em casa.
          

Este Magnum pertenceu a um grande amigo meu, Cicero Paiva. Coloquei as fotos do carro dele para que quem não conheceu um azul cadet, possa vislumbrar sua beleza ímpar! 

Estas duas fotos foram tiradas no pátio da casa dele, em Sapiranga RS.
                                Na próxima postagem Dodge Dart 1977, branco